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A dor que cala

A dor que cala

Por Ana Cajado e Nayara Monteiro

Historicamente, a mulher sempre esteve em uma posição inferior ao homem. Vista como um ser feito unicamente para procriar, cuidar da casa e dos filhos enquanto o homem trabalha, a mulher  até os tempos atuais ainda é inferiorizada, mesmo em contextos em que ela deveria ser a protagonista. O tão sonhado momento, gerado durante nove meses, se tornou um pesadelo.

 

Camila*, que preferiu não identificar-se, lembra com tristeza o momento que viveu 6 anos atrás, no nascimento do seu primeiro filho. “O médico, me costurando, disse que ia ‘deixar bem apertadinha’ para o ‘papai’ do meu filho. Eu estava acordada, ouvindo tudo”. O procedimento, chamado “ponto do marido”, é um dos tipos de violência obstétrica mais cometidos na atualidade, segundo a Ginecologista e Obstetra Fernanda Rios.

 

 

 

A definição precisa do que se caracteriza como Violência Obstétrica ainda não fora publicada pelo Ministério da Saúde ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS), apesar destes órgãos assumirem que centenas de mulheres estão sendo vítimas na ocasião do parto. Segundo a dra. Fernanda Rios, violência obstétrica é qualquer ato realizado contra a gestante, puérpera ou parturiente sem sua devida autorização. “Qualquer procedimento que caracterize agressão de ordem física e emocional (comentários indevidos) feitos pela a equipe que está acompanhando a gestante, pode ser considerado violência obstétrica”, explica.

 

Em maio de 2019, o Ministério da Saúde decidiu abolir o termo “violência obstétrica”, com a justificativa de que "tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas não tem a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”. A medida foi criticada por profissionais da saúde e pelo Ministério Público Federal (MPF).

 

Entre os tipos de violência obstétrica mais comuns, destaca-se a episiotomia, em que o profissional de medicina corta a vagina para facilitar a passagem do bebê. De acordo com a OMS, o procedimento só deve ser feito se realmente necessário e somente com a autorização da parturiente, mas não é o que tem acontecido. Clarice*, que preferiu não se identificar, revela que mesmo após nove anos do nascimento do seu filho, ainda tem o corte inflamado e sente muita dor. “O médico não me avisou que estava fazendo esse corte. Só soube depois”, conta.

 

Os abusos, maus-tratos e a negligência médica durante o parto estão mais propensos a atingirem as adolescentes, mulheres solteiras, mulheres de baixo nível sócio-econômico, de minorias étnicas, migrantes e as que vivem com HIV, conforme informou a OMS (2014). As violações vão de encontro com as normas dos Direitos Humanos fundamentais das mulheres.

 

De acordo com a doula Krys Rodrigues, as consequências da violência obstétrica são dolorosas para a mãe e o bebê. “Pode deixar sequelas físicas por procedimentos mal feitos ou feitos de forma grosseira, além de causar danos emocionais e psicológicos, podendo aumentar o risco de uma depressão pós parto, dificuldade da mulher posteriormente ter relações sexuais e no planejamento de um novo filho”, afirma.


 

A hora esperada

 

Atualmente, existem dois tipos de parto: o vaginal, em que o bebê nasce naturalmente, e o cesárea, em que é feita uma intervenção cirúrgica. Nos últimos cinco anos, popularizou-se a profissão de doula, junto ao parto humanizado, que utiliza a técnica do parto vaginal. Para Krys, a grande procura por doulas aconteceu devido à necessidade das mães por maior atenção e cuidado durante esse momento.

 

Krys explica que o parto humanizado se baseia em três pilares: o protagonismo da mulher em todas as etapas do processo; uma equipe multidisciplinar onde cada profissional atua dentro da sua área e a medicina baseada em evidências. “Com os métodos não farmacológicos, a gente constrói um plano de parto onde elas vão se informar e se preparar para todas as hipóteses do seu parto e durante o trabalho de parto nós vamos dar esse apoio contínuo, físico e emocional”, explica a doula.
 

Já o cesárea é feito quando alguma complicação médica impede o parto vaginal, sendo a cirurgia a opção para evitar a mortalidade e/ou morbidade materna e perinatal. Desde 1985, a comunidade médica de todo o mundo indica que a taxa ideal de partos cesárea é de 10% a 15%, mas no Brasil, em 2016, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, 55,6% dos partos foram cesáreas. Com esse número, o País se tornou um dos líderes em partos cesárea no mundo.

 

A ginecologista Fernanda Rios explica que a alta taxa de cesáreas se deve à vários motivos, como medo do parto vaginal e falta de preparo dos profissionais da saúde. “Muitas mulheres têm medo de sofrer no momento do parto, seja por intervenções indevidas, grosserias ou desinformação do que de fato seria um parto vaginal. Além disso, temos muitos profissionais ainda não capacitados para o parto humanizado”, revela.

 

De acordo com a Fundação Perseu Abramo, que realizou a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, em 2010, uma a cada quatro mulheres sofre violência obstétrica durante o parto. Com maior frequência, as adolescentes, mulheres em vulnerabilidade social e minorias étnicas, são as vítimas, conforme informou a Organização Mundial de Saúde (OMS).

 

 

 

 

 

 

 

Apesar dos dados exorbitantes, uma matéria veiculada no Jornal Diário do Nordeste (2018), revelou que no Ceará não há uma denúncia sequer que se refira à violência durante a gravidez. A ginecologista explica que isso acontece porque, na maioria das vezes, a parturiente sequer sabe que está sofrendo algum tipo de violência.

 

Para prevenir-se de passar por situações de violência, de acordo com a doula Krys Rodrigues, a gestante pode compartilhar experiências com sua rede de apoio, que são família e amigos. Entender o papel do obstetra, que tem como ofício prestar a informação de cada fase da gestação até o pós parto, é de grande importância. Além disso, a gestante sempre deve exigir o máximo de explicações possíveis sobre todos os procedimentos realizados durante a gestação e no dia do parto.

 

*Nomes fictícios
 

1

a cada 4

mulheres
 

sofre violência obstétrica

Dados da Fundação Perseu Abramo

O médico, me costurando, disse que ia ‘deixar bem apertadinha’ para o ‘papai’ do meu filho.

Eu estava acordada, ouvindo tudo.

Marcas que ficam

"1:4 Retratos da Violência Obstétrica" pela fotógrafa Carla Raiter

O projeto foi lançado em março de 2013, com base na pesquisa "Mulheres Brasileiras e gênero nos Espaços Público e Privado", feita em 2010 pela Fundação Perseu Abramo.

 

Segundo a pesquisa, uma a cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. 

As fotografias mostram partes dos corpos de mulheres vítimas de violência obstétrica, juntamente ao seu relato. A identidade das vítimas é anônima. 

Marcas que ficam
Especialistas

Especialistas

Entrevista com a Doula Krys Rodrigues

 

1) O que se caracteriza como Violência Obstétrica?

 

Violência obstétrica é qualquer violência que mulher sinta ter sofrido dentro do seu ciclo gravídico puerperal.

 

2)  Como surgiu a ideia do parto humanizado?


O parto humanizado se baseia em três pilares:
- O protagonismo da mulher em todas as etapas do processo
- Uma equipe multidisciplinar onde cada profissional atua dentro da sua área
- A medicina baseada em evidências

 

3) Qual a maior diferença entre o parto humanizado; normal e cesárea?

 

O parto normal é o mesmo que parto vaginal, em que o bebê sai pela vagina, nem todo parto normal será humanizado e a cesaria é um procedimento cirúrgico para a retirada do criança.

 

4)  O que as mães procuram quando vão ao encontro da doula?

 

As mulheres geralmente só descobrem a existência da doula quando estão grávidas, é algo que ainda está se disseminando na nossa cultura. Elas costumam procurar a doula primeiramente como uma fonte de informação e de cuidados. Com os métodos não farmacológicos, a gente constrói um plano de parto onde elas vão se informar e se preparar para todas as hipóteses do seu parto e durante o trabalho de parto nós vamos dar esse apoio contínuo, físico e emocional.
As mães procuram acolhimento e informação e esse cuidado durante a sua gestação e o trabalho de parto.

 

5)  Qual a função da doula durante a gestação, parto e pós parto?

 

A função da doula vai desde ser um canal de informação para que as mulheres façam um plano de parto consciente até o momento do parto onde nós trabalhamos com os métodos não farmacológicos de alívio da dor e a prestação de apoio emocional, reduzindo os desconfortos.
Também faz parte do nosso papel atuar no primeiro vínculo da mãe com o bebê, auxiliando e propiciando a amamentação na primeira hora de vida.  

6)  Você já atendeu mães que sofreram violência obstétrica?

 

Sim, já atendi mulheres que me procuraram por terem sofrido violência obstétrica num primeiro parto e já presenciei violências obstétricas durante os partos  

 

7)  Como a violência obstétrica influencia no pós parto? Há algum risco?

 

A violência obstétrica pode deixar sequelas físicas por procedimentos mal feitos ou feitos de forma grosseira como também pode causar danos emocionais e psicológicos, podendo aumentar o risco de uma depressão pós parto, uma dificuldade da mulher posteriormente ter relações sexuais e no planejamento de um novo filho

Entrevista com a Ginecologista e Obstetra Fernanda Rios


1) O que se caracteriza como violência obstétrica?

Qualquer ato realizado contra a gestante,puérpera ou parturiente sem sua devida autorização; sem sua autonomia; e  que caracterize agressão de ordem física, emocional (comentários indevidos) por parte de toda a equipe que está acompanhando a gestante por completa.

 - Múltiplos toques vaginais, realizações  episiotomia de rotina (lembrando que algumas vezes será necessária a realização desse procedimento porém a paciente precisa autorizar o procedimento).

 - A postura que o profissional tem de esclarecimento mediante a gestante independente de ser médico,técnico enfermeiro, psicóloga, enfermeiros precisam passar todas as informações e esclarecimentos para que a paciente entenda  tudo que está acontecendo com ela. É de suma importância para que assim não se caracterize a violência obstétrica.

 

2) Há alguma forma de prevenir-se dela?

A melhor forma de prevenir-se dessa violência sendo a paciente no caso, é solicitar o máximo de explicações e procurar ter referências daqueles profissionais como um todo que lhe acompanham durante todo o período da gestação e não somente no dia do parto. Caso no dia do parto seja uma equipe desconhecida a paciente deve buscar sempre respostas para tudo que está acontecendo e sempre conversar com a equipe, inclusive se recusando ou não a fazer determinados procedimentos se assim ela achar conveniente.

 

3) Qual o papel do obstetra durante a gestação, parto e pós parto?

O papel do obstetra vai desde a informação de cada fase da gestação,assistência emocional, solicitação de exames conforme sua idade gestacional, intervenções se necessária for desde que a paciente tenha permitido, assistência a puérpera levando a ela inclusive opções para planejamento familiar, acolhendo e ouvindo caso a mesma tenha algum sintoma de blues puerperal ou até depressão pós parto, aconselhamento a respeito de amamentação.

 

4) Os casos de violência obstétrica são assustadores: em 2010, uma a cada 4 mulheres sofreu esse tipo de violência. Porque você acha que isso ainda acontece?

Acredito que esses casos sempre existiram porém somente agora as mulheres têm tido conhecimento do que realmente é a violência obstétrica e estão externando isso de uns anos para cá. Antes tudo parecia ser “normal” ou não se tinha a informação necessária ao acesso da gestante.

 

5) Há algum tipo de orientação aos profissionais da saúde para o atendimento à parturiente?

A orientação dada a equipe como um todo é que oriente, escute, aconselhe e sobre tudo respeite o desejo da paciente.

 

6) Apesar de o recomendado pela OMS seja fazer apenas 15% dos partos cesárea, atualmente o Brasil realiza mais de 50% dos partos dessa maneira. Porque?

Existe ainda uma questão cultural em relação ao parto cesárea. Muitas mulheres têm medo de sofrer( sim aí eu falo em uma das violências obstétricas) no momento do parto, seja por intervenções indevidas, grosserias ou desinformação do que de fato seria um parto vaginal. Por essas razões e também por muitos profissionais ainda não serem capacitados para o parto humanizado, ainda assim existam grandes números de cesáreas no Brasil.

 

7) Como a violência obstétrica influencia no pos parto? Há algum risco?

A violência obstétrica nos pôs parto pode influenciar desde uma aversão a uma próxima gestação perante a paciente, depressão pós parto, dificuldades em criar vínculos com o bebê, dificuldades na amamentação, distanciamento da paciente com o profissional G.O, enfermeiro, equipe como um todo.

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Foto: Arquivo Pessoal
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Foto: Arquivo Pessoal

Sobre 

Trabalho para a disciplina de Jornalismo Digital

Universidade de Fortaleza

Professor Eduardo Freire
eduardonfreire@unifor.br
Ana Maria Cajado
ana.cajado@edu.unifor.br
Nayara Monteiro
nanay2@gmail.com
Sobre
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